A Quadratura da Curva - Viver Muito e Bem, Morrer Rápido

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Yuichiro Miura, um japonês de 80 anos foi a pessoa mais velha a chegar ao topo do Evereste. Convenhamos, não é propriamente a ideia que temos de uma pessoa sénior. Por falta de imaginação ou puro masoquismo, associamos velhice com perda de capacidade física e mental, dependência, pouca qualidade de vida, enfim, chegar aos 60 ou 70 anos de idade sem estar amarrado a uma cama já será muita sorte (na verdade depende muito pouco da sorte).

NÃO, não tem de ser assim. Nós somos o resultado das nossas acções, o que vos venho dizer hoje é que é possível ter uma vida activa, enérgica e saudável por muitos e longos anos, se fizermos a nossa parte. Viajar, praticar desporto, fazer uma descoberta científica, subir o Monte Evereste.

A Quadratura da Curva

Se pensarmos na nossa saúde física e mental traçada como uma linha num gráfico, o que queremos é que essa linha não seja um longo declínio lento. Queremos que ela se mantenha alta durante o máximo de tempo possível, até que mergulhe acentuadamente no fim da (longa) vida, numa morte instantânea, sem dor, sem arrependimento e sem ser um fardo para ninguém.

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Faz sentido ambicionar viver o máximo de tempo humanamente possível, mas em que os últimos anos (ou décadas) são um período sem qualidade de vida, de limitação, de dependência? Longevidade sim, mas com saúde plena.

O que significa ser saudável?

Bem estar é mais do que comer bem e fazer exercício. Também é muito mais do que apenas sentirmo-nos "bem". Estar realmente bem significa sentirmo-nos completos, equilibrados, vibrantes e vivos. Viver é diferente de sobreviver.

Há quem diga que Portugal é o País dos brandos costumes. É o País do “vai-se andando”, “assim-assim”, “mais ou menos” e “benzinho”. Talvez por isso, à medida que o relógio do tempo avança, nos conformemos com os centímetros extra na barriga, com os quilogramas teimosos na balança e as falhas de memória ocasionais. Sejamos ambiciosos, libertemo-nos da ideia pré-concebida de que velhice e uma menor qualidade de vida andam de mãos dadas, que não nos contentemos com menos do que o “brutalmente bem” ou “escandalosamente vivo”.

As Principais Causas do Declínio Funcional

Neste caminho para o “butalmente bem” será útil perceber as razões do declínio funcional no ocaso da vida. Existem um conjunto de condições debilitantes que aumentam a sua prevalência com a idade, conforme se ilustra na figura abaixo.

MacNee, William et al. [1]

MacNee, William et al. [1]

Estaremos então condenados a um destino de declínio funcional? Não! As boas notícias são que para as principais condições debilitantes é possível reduzir fortemente o risco de incidência através da adopção de hábitos de vida saudáveis [2] (voltaremos a este assunto mais à frente).

Então e a hereditariedade? Não existem pessoas com uma maior propensão ao desenvolvimento de certo tipo de doenças? Mais uma vez, temos boas notícias. Sim, é verdade que os genes determinam uma parte do risco de vir a padecer de determinada patologia, mas os estudos científicos recentes comprovaram que é possível modelar a forma como certas partes do nosso ADN se expressam, sendo até possível inibi-las completamente através do estilo de vida adoptado [3]. Bem-vindos ao mundo da epigenética. E o mais interessante é que se calcula que a contribuição do estilo de vida é superior ao que está escrito nos nossos genes. Temos sob o nosso controlo cerca de 75% do nosso destino.

Achatar a Curva

Historicamente a curva da longevidade tem vindo a ser alongada, graças sobretudos aos avanços científicos das últimas décadas. Em Portugal, a esperança média de vida situa-se um pouco abaixo dos 80 anos, tendo vindo a aumentar consistentemente desde a época da Segunda Guerra Mundial, quando rondava os 50 anos. Mas “média” é diferente de “máximo”, todos nós conhecemos alguém que viveu para além de 90 anos. Aquilo que nós somos (genes), o sítio onde vivemos (ambiente) e aquilo que fazemos (nutrição, sono, actividade física) são as ferramentas que permitem moldar e esticar a curva de acordo com os nossos objectivos.

A figura seguinte ilustra a evolução da curva da vitalidade vs longevidade, com os factores chave para atingir a desejada quadratura.

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Trajectória 1: A trajectória tradicional ilustra a experiência mais comum na primeira metade do século XX. Descreve um longo e lento declínio da saúde a partir dos 40 anos de idade e uma esperança de vida mais curta.

Trajectória 2: Com a medicina moderna e os avanços nos cuidados médicos, doenças anteriormente fatais tornam-se tratáveis, empurrando o declínio da saúde e prolongando a esperança de vida.

Trajectória 3: Nesta trajectória são incorporados ajustes no estilo de vida para prolongar ainda mais o envelhecimento e retardar a fragilidade, elevando assim a qualidade e esperança de vida.

Trajectória 4: O arco ideal do envelhecimento, a verdadeira “curva quadrada”. É onde o estilo de vida e ambiente estão em perfeita harmonia, permitindo viver robustamente durante o tempo máximo programado no relógio de ponto genético (será que existe máximo?).

Existe Um Limite de Idade nos nossos Genes?

O foco principal deste texto é no prolongamento da qualidade de vida e não tanto no prolongamento da vida (sem qualidade). Ainda assim, não deixa de ser um tópico incontornável. Estaremos nós programados para viver um número máximo e pré-determinado de anos?

A genética não desempenha um grande papel na longevidade até cerca da 8ª década de vida, e os raros genes centenários [4] só se tornam preditivos da longevidade durante as 9ª e 10ª décadas de vida. Por conseguinte, a maioria da longevidade é influenciada por padrões de saúde criados e mantidos antes da 8ª década de vida. Traduzindo por miúdos, o que fazemos antes dos 80 anos é que é importante.

Aparentemente, existe um limite fisiológico teórico para a idade máxima do corpo humano, algures por volta dos 120 anos. Por esta altura já percebemos também que, para potenciar esse máximo, devemos desde cedo incorporar os hábitos saudáveis de vida. Mas será possível estender (ou perpetuar), artificialmente, esse limite? Já agora, quando dizemos “artificialmente”, o que é artificial? A medicina moderna é artificial? Mas deixemos essa discussão para mais tarde. Por agora importa dizer que os anos recentes foram pródigos em descobertas científicas revolucionárias no campo da genética e antienvelhecimento. Um dos mais conhecidos e conceituados cientistas é David Sinclair que acredita (e o tem demonstrado) que é possível reverter o processo de envelhecimento. Aguardamos com expectativa os novos capítulos.

Como Viver até aos 120… Ou Mais

Tal como vimos anteriormente, o ADN tem alguma influência nos complexos mecanismos do nosso corpo, mas o peso da genética não ultrapassa os 25%. Quer isto dizer que os restantes 75% dependem da epigenética, ou seja, o estilo de vida é capaz de influenciar a manifestação de determinadas características que herdámos dos nossos progenitores. Por isso, arrumada que está esta ideia de “fado” (tão querida aos Portugueses), foquemo-nos no que comprovadamente pode reduzir a mortalidade em geral e as doenças debilitantes que impactam os últimos anos da nossa existência: hábitos saudáveis de vida [5]. Estes hábitos saudáveis são parte do segredo da longevidade com qualidade que tem sido posto em prática pelas populações com maior número de centenários à face da Terra: são cinco localizações denominadas de “Zonas Azuis” [6]. Se existe um mapa para a fonte da eterna juventude, não deve ser muito diferente disto:

  • Dieta saudável. Não será surpresa para ninguém que o que comemos impacta a nossa saúde e bem-estar. Não existe uma fórmula única de alimentação, existem sim alguns princípios que são universais. Saiba mais em Afinal Qual É a Melhor Dieta?

  • Actividade física moderada. Não é preciso correr uma maratona nem ir ao ginásio todos os dias. Manter uma vida activa, exercitando moderadamente os nossos músculos nas tarefas do dia-a-dia é um dos hábitos de vida seguido pelos centenários das Zonas Azuis. Mais informações sobre actividade física em Mexa-se Mais!

  • Qualidade de sono. A quantidade é importante (entre 7 a 9h para adultos), mas a qualidade também, nomeadamente o tempo passado em sono profundo e REM. Para se tornar um campeão do sono, siga estas 16 Dicas Para Dormir Bem.

  • Jejum. É a nova coqueluche na área da saúde e bem-estar. Todos os dias se descobrem novos benefícios para a saúde humana deste protocolo dietético. Para saber mais sobre jejum e restrição calórica recomendamos a leitura do eBook Guia do Jejum.

  • Ter um propósito na vida. A população de Okinawa (Japão) chama-lhe Ikigai e em Nikoya (Costa Rica) chamam-lhe plan de vida, para ambos, traduz-se em "porque acordo de manhã". Conhecer o seu sentido de propósito vale até 7 anos de esperança de vida extra [7].

  • Felicidade. As pessoas felizes vivem mais tempo. Num estudo realizado nos EUA em 2015 [8], em comparação com pessoas muito felizes, o risco de morte durante o período de seguimento é 14% mais elevado entre os que não são felizes.

Existem ainda um conjunto de coisas (óbvias, digo eu) que devem ser evitadas.

  • Fumar [9]

  • Beber álcool em excesso [9]

  • Stress [10]

  • Ambientes tóxicos, quer sejam físicos (poluição, metais pesados, toxinas) ou humanos (sim, há pessoas “tóxicas” que devemos evitar).

Quando Devo Começar os Hábitos Saudáveis?

O melhor dia para começar a incorporar hábitos saudáveis na sua vida… foi ontem! O segundo melhor dia é hoje. Se adiarmos os cuidados proactivos com a nossa saúde até ao dia em que ela começa a falhar, provavelmente já será tarde demais. Qualquer idade é boa para começar, mas quanto mais cedo abraçar um estilo de vida saudável, com especial enfoque nos pilares da longevidade - nutrição, actividade física, sono - maiores serão os ganhos na qualidade (e quantidade!) de anos com saúde e vitalidade, que é como quem diz, mais quadrada será a curva.

Conclusão

Sobre a quantidade (longevidade), há quem diga que já nasceu o primeiro ser humano que viverá 1000 anos. Se isso for verdade, será com certeza com o contributo de um dos mais brilhantes geneticistas do Mundo: David Sinclair, que com a sua Teoria da Informação do Envelhecimento caminha a passos largos para a materialização da Fonte da Juventude.

Há quem critique a busca de uma longevidade cada vez maior e defenda que não devemos andar aqui por este bonito Planeta Azul por mais do que determinado número de anos. Mas onde devemos colocar o limite? Nos 80? 100? 120? E se a perda de vitalidade e qualidade de vida não for uma fatalidade? Queremos viver até aos 100 porque temos medo da morte, ou porque estamos apaixonados pela vida? Queremos viver muito tempo ou viver bem? Queremos quantidade ou qualidade (ou os dois)? Nas palavras da campeã mundial de atletismo Olga Kotelko, que competiu até aos 95 anos, queremos “ter anos na vida, ou vida nos anos”?
Sim, são muitas perguntas, nem todas têm uma resposta óbvia. Mas a minha curva vai ser quadrada! Já comecei ontem a endireitar aquele teimoso ângulo descendente. E a vossa?

Referências

  1. MacNee, W., Rabinovich, R. A., & Choudhury, G. (2014). Ageing and the border between health and disease. The European respiratory journal44(5), 1332–1352. https://doi.org/10.1183/09031936.00134014

  2. Franceschi, C., Garagnani, P., Morsiani, C., Conte, M., Santoro, A., Grignolio, A., Monti, D., Capri, M., & Salvioli, S. (2018). The Continuum of Aging and Age-Related Diseases: Common Mechanisms but Different Rates. Frontiers in medicine5, 61. https://doi.org/10.3389/fmed.2018.00061

  3. Alegría-Torres, J. A., Baccarelli, A., & Bollati, V. (2011). Epigenetics and lifestyle. Epigenomics3(3), 267–277. https://doi.org/10.2217/epi.11.22

  4. Motta, M., Bennati, E., Ferlito, L., Malaguarnera, M., Motta, L., & Italian Multicenter Study on Centenarians (IMUSCE) (2005). Successful aging in centenarians: myths and reality. Archives of gerontology and geriatrics40(3), 241–251. https://doi.org/10.1016/j.archger.2004.09.002

  5. Loef, M., & Walach, H. (2012). The combined effects of healthy lifestyle behaviors on all cause mortality: a systematic review and meta-analysis. Preventive medicine55(3), 163–170. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2012.06.017

  6. Buettner, D., & Skemp, S. (2016). Blue Zones: Lessons From the World's Longest Lived. American journal of lifestyle medicine10(5), 318–321. https://doi.org/10.1177/1559827616637066

  7. Hill, P. L., & Turiano, N. A. (2014). Purpose in life as a predictor of mortality across adulthood. Psychological science25(7), 1482–1486. https://doi.org/10.1177/0956797614531799

  8. Lawrence, E. M., Rogers, R. G., & Wadsworth, T. (2015). Happiness and longevity in the United States. Social science & medicine (1982)145, 115–119. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015.09.020

  9. Ning, K., Zhao, L., Matloff, W. et al. Association of relative brain age with tobacco smoking, alcohol consumption, and genetic variants. Sci Rep 10, 10 (2020). https://doi.org/10.1038/s41598-019-56089-4

  10. Schneiderman, N., Ironson, G., & Siegel, S. D. (2005). Stress and health: psychological, behavioral, and biological determinants. Annual review of clinical psychology1, 607–628. https://doi.org/10.1146/annurev.clinpsy.1.102803.144141

Rui Silva