"Sem Açúcar Adicionado" - Saudável ou Não?

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As redes sociais e a Internet em geral são férteis em todo o tipo de receitas “saudáveis”, quer sejam vegan, low-carb, sem glúten, paleo ou, no tema que vamos hoje abordar, sem açúcar adicionado. Mas afinal o que é isso de “açúcar adicionado”? É um sinal de comida saudável? E não engorda?

Pois, tal como referido no artigo “Afinal Qual É a Melhor Dieta?“, designações como “sem açúcar”, “sem glúten” ou “0% gordura” não significam sempre as escolhas mais saudáveis. E lá porque determinado alimento é saudável, não quer dizer que seja isento de calorias (mesmo sem açúcar adicionado), logo pode contribuir para o aumento de peso se consumido em excesso.

Confuso? Continue a ler porque vamos (tentar) esclarecer todas estas dúvidas.

O açúcar, esse vilão da saúde e da dieta

O açúcar é um desejo antigo e profundo. O açúcar oferece energia e ajuda-nos a armazenar gordura. Depois de ingerido, é decomposto em glicose e frutose, as moléculas simples (monossacarídeos) em que todos os carboidratos são decompostos para serem absorvidos pelo organismo (sim, podemos considerar todos os carboidratos como açúcar). Há muitos, muitos anos, quando a comida era escassa e em que as poucas refeições inconsistentes dos nossos antepassados longínquos dependiam sobretudo da caça ou de algo que pudessem encontrar, consumir alimentos calóricos e armazenar gordura era uma vantagem, não um risco para a saúde.

Do ponto de vista da evolução humana, o curto período de tempo de abundância de comida (com o advento da agricultura e da industrialização) não foi ainda suficiente para adaptar o nosso cérebro a reprimir o forte desejo por açúcar. Pronto, está explicado o nosso desejo por coisas doces, agora já pode ter uma desculpa da próxima vez que comer uma sobremesa: diga que é um instinto primordial.

Aliás, o consumo de açúcares simples tem um efeito aditivo. O consumo de produtos doces estimula a produção de dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer, bem-estar e “recompensa”, após a sua ingestão. Quando este mecanismo se repete frequentemente cria dependência a nível cerebral e a necessidade constante de doces para obtenção da sensação de satisfação e bem-estar.

Qual a quantidade considerada saudável?

Os açúcares são muito importantes para o normal funcionamento do nosso organismo. São o combustível preferencial das nossas células, fornecendo energia de forma rápida e criando reservas quando não é imediatamente necessária. A organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o consumo ideal de açúcares simples deve fornecer um aporte energético inferior a 5% das nossas necessidades diárias, o que para um valor médio de 2000 kcal para um adulto corresponde a menos de 25 g diários.

O problema é que este valor é facilmente ultrapassável. De acordo com os dados do último Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (2015-2016), 24,4% da população portuguesa apresenta um consumo de açúcar (“açúcares livres”) proveniente de alimentos dos grupos dos doces, refrigerantes, sumos de fruta naturais ou concentrados, bolos, bolachas, biscoitos, cereais de pequeno-almoço e cereais infantis, que contribui com mais do que 10% do valor energético total, ou seja, o dobro da quantidade máxima recomendada pela OMS. Não admira por isso que mais de metade da população portuguesa (25% das crianças) tenha excesso de peso.

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Como identificar açúcar nos alimentos

Se um alimento é processado, tem uma lista de ingredientes e deverá ter bem explícito a quantidade de açúcar presente. Para entender o rótulo devemos perceber a diferença entre açúcar adicionado ou açúcar naturalmente presente:

  • Açúcar adicionado ou livre: deverá constar na lista de ingredientes. Atenção que existem outros nomes para “açúcar”, nomeadamente sacarose, frutose, maltodextrina, lactose, dextrose, xarope de milho, extracto de malte, edulcorante, mel, glicose, maltose, extrose, polidextrose, entre outros.

  • Açúcar naturalmente presente: Os frutos têm açúcar (por exemplo uma laranja tem cerca de 12 g de frutose), o leite tem açúcar (lactose) e todos os hidratos de carbono têm uma percentagem de açúcar. Estes açúcares naturais fornecem calorias (engordam), mas a OMS não estabelece nenhum limite para o seu consumo, dado considerar-se não terem um impacto negativo na saúde. Atenção que os açúcares do mel, xaropes, sumos de fruta e concentrados de sumos de fruta, apesar de serem naturalmente presentes, contam como açúcar livre.

Para descodificar um rótulo devemos começar pela lista de ingredientes e procurar açúcar ou qualquer das outras designações mencionadas anteriormente (os ingredientes aparecem por ordem decrescente de quantidade). Este é o sinal que determinado produto tem açúcar adicionado.

Seguidamente, na tabela da declaração adicional podemos identificar a quantidade total de açúcar, por cada 100 g ou por porção. Se o termo “açúcar” (ou qualquer dos outros sinónimos) não constar da lista de ingredientes, podemos deduzir que se tratam de açúcares naturais.

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Açúcares bons, maus e alternativas saudáveis

Voltando ao tema das receitas “saudáveis” da Internet, muitas apregoam “sem açúcar adicionado”, mas será bem assim? Antes de responder a esta pergunta vamos detalhar um pouco os vários tipos de açúcar, adoçantes e alternativas (naturais ou não).

OS BONS: MENOS CALORIAS, NÃO PROVOCAM PICO DE INSULINA E SEM EFEITOS ADVERSOS*

*Considera-se sem efeitos adversos para a grande maioria da população e com base nos estudos científicos publicados. Algumas pessoas podem ter reacções adversas (baixas a moderadas) a algumas destas substâncias, pelo que se sugere, em caso de suspeita, a consulta com um profissional desta área.

  • Xilitol: é um adoçante natural encontrado nas fibras de muitos vegetais e frutos. Não provoca pico de insulina e tem impacto reduzido no açúcar do sangue. Faz parte do grupo de “açúcares álcool” e o seu consumo excessivo (+50 g) pode provocar desconforto intestinal. É tóxico para os cães.

  • Eritritol: também um álcool, considera-se que não tem calorias. Tem os mesmos benefícios do xilitol.

  • Estévia: A estévia é um extracto da folha de Stevia Rebaudiana nativa do Brasil e Paraguai. É cerca de 300 vezes mais doce que o açúcar, não afecta a glicose no sangue ou a insulina. Para algumas pessoas tem um sabor amargo e não tem tanto gosto de açúcar como o xilitol e o eritritol.

  • Extracto de Fruta dos Monges (Luo Han Guo): A fruta dos monges é cultivada no sudeste da Ásia e foi usada pela primeira vez pelos monges budistas no século XIII, daí o seu nome. O extracto desta fruta é 150 a 200 vezes mais doce que o açúcar, contém zero calorias e zero carboidratos.

  • Sorbitol, maltitol e outros açúcares álcool: apesar de terem menos calorias e não provocarem alterações na glicose sanguínea, estes adoçantes podem provocar desconforto intestinal nalgumas pessoas (mais provável do que com xilitol ou eritritol).

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OS MENOS MAUS: MAIS CALÓRICOS OU PODEM PROVOCAR PICO DE INSULINA

  • Mel crú: o mel natural, não processado e não cozinhado tem alguns benefícios, nomeadamente como antibacteriano. Contém vitaminas, minerais, enzimas e tem um impacto menor na insulina, quando comparado com o açúcar. Cozinhar o mel destrói os compostos benéficos e transforma-o basicamente em xarope de açúcar. É altamente calórico, pois é constituído por frutose e glicose.

  • Xarope de ácer (maple syrup): O xarope de ácer é um líquido espesso que é obtido ao cozinhar a seiva das árvores de ácer. Contém uma quantidade razoável de antioxidantes e minerais, incluindo cálcio, potássio, ferro, zinco e manganêsio. Possui um índice glicêmico ligeiramente mais baixo que o açúcar comum, mas, tal como o mel, é altamente calórico.

  • Açúcar de coco: O açúcar de coco é principalmente sacarose, com um pouco de frutose e glicose. Tem uma quantidade decente de potássio, ferro, vitaminas do complexo B, zinco e magnésio, mas é altamente calórico. Tem um índice glicêmico ligeiramente inferior ao açúcar comum.

  • Passas de uva, sultanas e tâmaras: estes frutos são altamente calóricos (cerca de 60 g de açúcar natural por cada 100 g) e aparecem como ingrediente de alguns snacks (barras energéticas, por exemplo) e nalgumas receitas de sobremesas. Apesar de fazerem parte dos açúcares naturalmente presentes, devem ser consumidos com moderação.

  • Açúcar de cana (ou rapadura): contém vitaminas (A, B1 e B2) e minerais (cálcio, magnésio, potássio e fósforo). Comparado ao açúcar branco, o de cana é muito menos processado, retendo muitos dos nutrientes e da fibra presentes no suco de cana, mas não deixa de ser altamente calórico e com um índice glicémico elevado. Atenção que açúcar de cana é diferente de açúcar amarelo ou mascavado, estes são apenas a mistura do açúcar branco com melaço.

  • Sumo de fruta: a OMS classifica o sumo de fruta como um “açúcar adicionado”, pois na prática é frutose líquida, sem a fibra e outros nutrientes da fruta que ajudam a regular a absorção de açúcar e a glicose no sangue.

A EVITAR: CALÓRICOS, PROVOCAM PICOS DE INSULINA E TÊM EFEITOS ADVERSOS

  • Acúcar branco: também conhecido como sacarose, divide-se em partes iguais de glicose e frutose. O açúcar branco contribui para as cáries dentárias, a obesidade, a adição, a inflamação, o envelhecimento, a resistência à insulina e à proliferação de más bactérias do intestino.

  • Agave: Geralmente comercializado como alternativa saudável ao açúcar, mas é provavelmente um dos adoçantes menos saudáveis do mercado. Consiste em 85% de frutose (mais do que no açúcar comum), que está fortemente associada à obesidade e outras doenças graves.

  • Frutose: A maioria das pessoas pensa na frutose como um açúcar natural de frutas. Afinal, é um dos principais açúcares (junto com glicose e sacarose) nas frutas. Apesar de ter um indíce glicémico mais baixo que o açúcar, foi demonstrado que a ingestão de frutose piora a resistência à insulina, aumenta a produção de triglicéridos no fígado e promove o armazenamento de gordura abdominal.

  • Adoçantes/edulcorantes (aspartame, sucralose, sacarina, acesulfame-K): Um estudo de 2016 constatou que indivíduos com peso normal que ingeriam mais adoçantes artificiais tinham maior probabilidade de vir a ter diabetes do que pessoas com excesso de peso ou obesidade. Outro estudo de 2014 descobriu que esses adoçantes, como a sacarina, podem alterar a diversidade das bactérias intestinais, podendo causar intolerância à glicose, síndrome metabólica e diabetes em adultos.
    Apesar da comunidade científica não ter chegado ainda a uma conclusão definitiva sobre potenciais malefícios do consumo destas substâncias, a verdade é que existem fortes indícios que são prejudiciais à saúde. O seu consumo deve por isso ser evitado ou fortemente reduzido.

Como reduzir o consumo de açúcar

Infelizmente grande parte do consumo excessivo de açúcar deve-se a alimentos conotados como saudáveis, por exemplo cereais de pequeno-almoço, sumos de fruta, lacticíneos e outros produtos catalogados de “vegetarianos”, “sem glúten” ou que apregoam ser fonte de nutrientes (até há bem pouco tempo alguns achocolatados em pó com mais de 70% de açúcar eram recomendados às crianças).

Algumas regras a seguir:

  1. Reduza o consumo de sobremesas, refrigerantes, doces e produtos processados em geral.

  2. Leia com atenção o rótulo das comidas/bebidas processadas e identifique a quantidade presente de açúcares.

  3. Consuma fruta inteira e não apenas o sumo.

  4. Deixe de adicionar açúcar (ou adoçantes!) ao café e ao chá.

  5. Utilize as alternativas saudáveis ao açúcar.

Afinal como é que ficamos relativamente às receitas “saudáveis”?

Depois desta longa explicação, voltemos então ao tema de abertura, as receitas “saudáveis” disponibilizadas na Internet. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que o conceito de “saudável” pode ter diferentes significados para diferentes pessoas: por exemplo o consumo de uma colher de chá de mel crú antes de dormir pode aumentar a qualidade do sono, mas para um diabético ou quem esteja a tentar perder peso pode ser contraproducente.

Algumas considerações e uma chamada de atenção para as armadilhas mais comuns:

  • Valide se a lista de ingredientes da receita contém alguns dos diferentes tipos de açúcar a evitar, por exemplo agave ou edulcorantes.

  • Verifique se a lista de ingredientes inclui produtos processados que contêm açúcar. Por exemplo chocolate negro 70% tem geralmente 30% de açúcar, a menos que sejam utilizadas alternativas, como a estévia.

  • Mel, xarope de ácer, açúcar de coco, açúcar de cana, rapadura são açúcares. Podem ser mais saudáveis que o açúcar branco, mas não deixam de ser altamente calóricos e podem contribuir para picos glicémicos e aumento de peso.

  • Numa perspectiva calórica, mesmo que uma receita não tenha açúcares adicionados ou utilize substitutos sem calorias (como o eritritol), os hidratos de carbono presentes serão decompostos em açúcares no nosso organismo. E as farinhas (todas) são hidratos de carbono.

  • Existe um princípio na nutrição que diz que se determinado alimento está disponível e acessível, acabará por ser consumido. Isto quer dizer que se confecionar sobremesas, mais ou menos saudáveis, estas serão eventualmente consumidas. E geralmente é um consumo por excesso do que seria o aporte calórico diário. Resumindo, engorda!

  • Não tenho nada contra o vegetarianismo (pessoalmente não sigo esta dieta, apesar de reduzir o consumo de proteína animal), mas tenho visto cada vez mais receitas com este rótulo: mousses de chocolate, pasteis de nata, croissants, pudins, cheesecakes, brownies, enfim, haja imaginação. Para que fique bem claro, o açúcar é considerado vegano/vegetariano, ou seja, este é claramente um daqueles casos em que a designação nada tem a ver com o ser mais ou menos saudável.

Concluindo, o açúcar não é um Bicho Papão, mas o seu consumo, quer seja na forma natural ou adicionada deve ser moderado. Dito isto, todos nós precisamos de um pouco de doce nas nossas vidas, pelo que se recomenda a confecção e experimentação com as receitas disponíveis nas redes socias e na Internet em geral. Especialmente as saudáveis, como as que a altamentis publica.

Rui Silva